Como filha de líderes, e em determinados momentos, líder também;
vivenciei algumas experiências peculiares que despertaram a minha atenção para
pequenos detalhes, que jamais cogitaria que poderiam ocorrer.
No ministério em que meus pais são pastores, fui a jovem mais velha na
maior parte do tempo. Desta forma, comecei a trabalhar fora mais cedo que as
demais moças, e consequentemente, passei a ter o meu próprio salário; o que me
permitia comprar mais roupas e acessórios do que quando dependia dos meus pais.
Comprava mais não apenas em virtude de ter, e sim porque trabalhava fora e
estudava a noite, o que era uma necessidade devido à frequência de uso e o meio
em que estava.
Enfim, há alguns anos, logo após eu começar a ter mais itens pessoais,
uma moça decidiu que não queria mais ir à igreja em razão de não ter roupas
diferentes para usar. Ela afirmava aos pais que não tinha roupas para sair. No
entanto, ela tinha roupas, o que ela não tinha, era uma certa variedade como
gostaria; o que se fôssemos pensar friamente, não era necessário pois ela não
trabalhava fora, e para estudar, utilizava uniforme.
Algum tempo após este incidente, eu estava na igreja, e passei na frente
de uma sala para buscar água. Meus pais estavam ministrando essa mesma moça; e
justamente na hora em que passei, ela estava chorando e falando que estava
triste porque ela nunca consegueria ser como eu, e por isso, estava muito
desanimada.
Ninguém havia dito para ela que ela deveria ser como eu, contudo, ela
entendia que deveria ser. Ela chegava ao ponto de se sentir culpada pela
personalidade que tinha, pois era diferente da minha. Meus pais explicaram para
ela que o alvo dela não era ser como eu, ela deveria ser como Deus a havia
criado.
Meu pai sempre nos alertava de
que nós, os filhos dele, seriam as pessoas que iriam criar os limites e
determinar o que seria aceitável. Aquilo que fizéssemos, os outros também o
fariam. Eu não gostava muito dessa “carga” nas minhas costas, todavia, mesmo que
não gostasse, o fato não deixava de ser uma verdade.
Um pequeno exemplo, diante de vários que ocorreram, é que ninguém em nosso
ministério costumava usar batom vermelho. Eu nem sequer usava batom, muito
menos vermelho. Entretanto, fiz um curso de maquiagem e aprendi como passar
batom corretamente. Logo em seguida, ganhei um batom vermelho de presente e
resolvi ir com ele à igreja; e semana após semana, as mulheres começaram a
aparecer de batom vermelho. Não apenas as solteiras, as casadas também.
Quando entrava nas salas da igreja, em que as crianças ficavam brincando
sozinhas; encontrava o meu nome e o nome dos meus irmãos escritos nos quadros.
Elas brincavam de escolinha, e cada criança fingia ser um de nós. Algumas crianças
colocavam o nosso nome nos ursinhos que tinham em casa.
Tudo aquilo que elas costumavam ter de dúvida de ser certo ou errado;
elas não vinham perguntar se era certo ou errado, elas perguntavam se a gente
fazia aquilo ou não; e de acordo com a resposta, aquilo se tornava certo ou
errado para elas. Quando era professora delas, quase tudo o que eu fazia ou
deixava de fazer, eles me questionavam e queriam uma explicação. Até chegaram a
pedir que eu me casasse com um homem que gostasse de crianças.
Havia uma menina, que tinha o costume de falar tudo o que ela achava e
pensava, a respeito das atitudes e artigos pessoais, de quase todas as
crianças. As crianças viviam tristes por causa disso. Certo dia, chamei ela, e
expliquei que ela tinha todo o direito de não gostar ou não concordar com o que
via, porém, quando aquilo que ela pensava, não fosse edificar ou encorajar as
pessoas, ela não deveria falar, pois estaria ofendendo; e com o tempo, as
crianças, e no futuro, as pessoas, não iriam desejar ficar perto dela.
Perguntei a ela, se ela gostaria, que alguém afirmasse que a roupa ou o cabelo
dela estavam estranhos ou horríveis, e ela conseguiu se dar conta de como as
pessoas se sentiam.
A partir daquele dia, ela se tornou a menina mais encorajadora que já
conheci. Ela deixou de focar naquilo que não gostava, e passou a encorajar e elogiar
as pessoas diante daquilo que ela via e a agradava. E hoje, as pessoas ficam
admiradas e elogiam a educação e a facilidade de se comunicar que ela tem, em
todos os lugares.
Essa mesma menina, em razão do pai ter uma renda superior a dos demais
homens; estava sempre indo em restaurantes, comprando sorvetes, fazendo
passeios e ganhando presentes mais caros e atraentes do que as demais crianças.
O problema era que ela fazia questão de ficar contando vantagens, e com isso,
ia deixando as outras crianças frustradas com a limitação em que viviam.
Tenho o costume de trazer as crianças para passar o dia na minha casa, e
na época, resolvi trazer essa menina e fomos passear. Senti que deveria
explicar a ela, que as outras crianças não tinham as mesmas condições
financeiras, e mostrar como se sentiam quando ela compartilhava suas
conquistas. Disse que mesmo que ela não tivesse intenção, era isso que
acontecia. Nesta hora, ela me interrompeu e disse, que sinceramente, ela fazia
isso de propósito, não era inconsciente. Me contou também, que o pai já havia
alertado ela sobre isso, contudo, não havia deixado claro como isso afetava as
demais crianças.
Admirei muito a franqueza dela. Ela não ficou triste quando falei, pois
deixei claro que aquilo era para o bem dela. Quando a corrigiam, ela não
conseguia compreender, pois transmitiam de forma que a feria ao invés de
ensiná-la.
Essa menina passou o dia comigo diversas vezes e também me ajudou em
várias atividades. Ela é quase quinze anos mais nova. Achei engraçado, pois num
certo dia em que fomos passear, ela disse que eu não precisava conversar sobre
assuntos de criança, eu poderia falar com ela sobre os assuntos da minha idade
e do meu interesse. Ela estava se esforçando para agir como uma moça e tentar
ser uma boa companhia. Portanto, expliquei que ela não deveria se preocupar em
parecer mais velha quando estivesse com algum adulto. Se o adulto tivesse
interesse em dar atenção ou conversar com ela, era o adulto quem deveria se
colocar numa posição em que ela pudesse compreender e participar. Ela não
deveria se preocupar em estar adiantada.
Quando as crianças vêm na nossa casa, o maior desejo delas não é que
façamos uma programação especial, elas querem participar das nossas atividades.
Querem ver como é a nossa vida. Com a intenção de mostrar a elas que devem se
adequar e desfrutar da idade que têm, sem se preocupar em estar à frente; uma
das coisas que faço é levá-las para caminharem comigo no trajeto que faço
diariamente. Desta forma, elas compreendem que ainda são crianças, pois não dão
conta de terminar; e a maioria acaba precisando voltar nas minhas costas, pois
não suporta caminhar tanto.
É incrível como as crianças levam a sério aquilo que ensinamos a elas,
pois através da atenção e do amor, elas conseguem compreender que tudo o que
falamos é para o bem e não para privá-las.
Através dessas situações e de muitas outras, passei a ter muito cuidado
com o meu estilo de vida e aquilo que transmito às pessoas. Eu poderia afirmar
que não era problema meu o fato da moça não trabalhar fora e não ter condições
de comprar roupas, como eu podia na época. Ou poderia pensar que a ideia de ela
achar que deveria ser como eu, não tinha nada a ver comigo, era simplesmente
resultado de falta de identidade dela. Todavia, um líder jamais pode pensar
desta forma, seja ele um líder que possua um cargo, ou simplesmente, um
influenciador informal. Esse tipo de pensamento demonstra indiferença e falta
de amor.
Na época, parei para refletir no que eu fazia que poderia ter gerado
isso, independente das condições emocionais ou possíveis problemas que poderiam
estar presentes na vida dela. E acabei identificando depois, que o mesmo
costume que a menininha tinha de contar “vantagens” ou histórias, eu tinha; e
era isso que causava esses sentimentos na minha amiga.
No meu caso, não fazia isso com a intenção de inferiorizar os outros; na
verdade, sempre fui uma pessoa muito reservada em relação às minhas emoções; e
como queria ser agradável e me socializar com as pessoas, acabava conversando
apenas sobre assuntos superficiais, como histórias de coisas boas que
aconteciam, conquistas, e às vezes, passeios e novas aquisições.
E era por eu não deixar transparecer que tinha algum tipo de problema ou
dificuldade, que a moça havia criado uma fantasia ou imagem de que eu tinha uma
vida perfeita, cheia de alegria, dinheiro à vontade e momentos de prazer.
Enquanto que na verdade, apesar de não ter grandes problemas reais ou que
fossem motivo de preocupação ocorrendo, minhas emoções eram cheias de
complicações que precisavam ser curadas e tratadas, da mesma forma que ela
tinha.
Na hora em que ouvi ela chorando e falando que não conseguia ser como
eu, fiquei chocada, e pensei em como seria se ela soubesse realmente como eu me
sentia em relação à todas as coisas. Como eu gostaria de realmente ser aquela
pessoa que ela pensava que eu era, mas aquilo era uma fantasia.
Desde que consegui compreender isso, não passei a me expor às pessoas;
todavia, passei a compartilhar mais da minha humanidade e deixar claro que
também enfrento dificuldades. Tomei consciência de não deixar parecer que minha
vida é perfeita; pois como influenciadora, tudo o que eu tenho, faço e vivo, se
torna um alvo para as pessoas alcançarem. Contudo, se eu estabelecer um alvo
inatingível, mesmo sem eu saber, elas viverão frustradas por se sentirem muito
longe. Com certeza devemos ser prudentes naquilo que compartilhamos, pois
muitas pessoas não tem maturidade para ouvir certas coisas, portanto é preciso ter
bom senso em cada situação.
Em dias que estava triste, frustrada, sem esperança, enfrentando provas
que me ajudariam a ter minha mente transformada; olhei em redes sociais, a vida
de algumas pessoas que eu admiro, observei a alegria e prazer que tinham na
vida, como pareciam não ter problemas e se relacionar sem conflitos.
Certamente as pessoas não iriam discutir e colocar fotos que transmitiam
algo negativo na internet, entretanto, ver como elas estavam tão bem enquanto
eu estava mal, fez eu me sentir um lixo; como se eu não estivesse usufruindo do
mesmo por não merecer, ao mesmo tempo que parecia que eu nunca mais iria viver
como elas. Mesmo não tendo na época, motivos aparentes para reclamar ou estar
frustrada, simplesmente me sentia assim. Eu nunca havia tido este tipo de
sentimento em uma situação dessas, sempre pensei que ao ver pessoas felizes e
desfrutando de momentos em família, produzisse esperança para aqueles que tem
uma família dividida, mas percebi que não é bem isso que acontece.
Estando nesta situação, passei a refletir em como muitas pessoas devem
se sentir ao ver essas fotos, bem como ao ver a nossa família. Não que esteja
errado ser e parecer feliz, contudo, não deixar que as pessoas saibam que
também sofremos, somos humanos, temos limites e discutimos diante de
determinadas situações; permite que o inimigo as coloque em prisões mentais e
emocionais, convencendo-as de que nunca alcançarão aquilo que Deus tem, pois a
imagem que permitimos que elas tenham de nós, cria no interior delas uma
fantasia de uma vida que nem nós temos, enquanto parecemos ter.
Os alvos que criamos podem estar relacionados aos mais variados aspectos
possíveis, de acordo com o foco e área de interesse de cada pessoa. Desta
forma, precisamos ser cuidadosos com aquilo que estabelecemos e apresentamos,
pois as pessoas tentarão nos alcançar. Quando parecemos perfeitos, as pessoas
também podem não se sentir à vontade para expressarem suas dificuldades, pois
podem temer que venhamos a criar uma imagem negativa delas.
Uma vez, ocorreu um fato que me fez desejar desaparecer. Nos trabalhos
sociais, cuidamos alguns anos de uma família com muitos filhos e eu era mentora
da filha mais velha. Ela tinha nove anos e passava tempo comigo com certa
frequência. Certo dia, ela apareceu na igreja com uma fronha enrolada ao redor
do corpo como se fosse uma saia social e de cintura alta, com uma sandália com
salto não muito alto e com os olhos maquiados. A mãe dela, que não era uma
pessoa muito “saudável”, já tinha sete filhos e era um ano mais velha do que
eu. Quando ela me viu, sorriu e disse que a filha queria ir à igreja vestida
como a Aline. A menina estava feliz pois estava vestida como eu. Eu sabia que
era uma fronha, pois já tinha arrumado as roupas de cama na casa deles. Ver uma
menina com nove anos usando uma fronha como saia por minha causa, acabou
comigo.
Somente o Espírito Santo e o amor de Deus em nós, podem nos transformar
e nos ensinar a maneira que devemos agir, e que consequentemente,
influenciaremos as pessoas positivamente, levando-as para perto do Pai ao invés
de afastá-las ou desanimá-las com mentiras de alvos inalcançáveis.
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